Situação atual já compromete desempenho em ciclos superiores, afirma presidente da agência
Com um orçamento anual de R$ 2,7 bilhões para a concessão de bolsas de estudo para mestrado e doutorado e financiamentos na área de pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) agora volta suas ações para a educação básica brasileira.
O presidente da agência federal de fomento à pesquisa, Jorge Almeida Guimarães, explica que a baixa qualidade nos níveis fundamental e secundário e a formação precária dos professores das escolas públicas já comprometem o desempenho nos ciclos superiores e, consequentemente, o "crescimento chinês" da produção científica no país e da titulação de mestres e doutores, observado nos últimos anos. "Chegamos à necessidade de qualificar a educação básica usando o reconhecimento internacional e selo de qualidade da Capes", afirma.
Em entrevista ao Valor durante a 33ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Guimarães também revela que está em curso a formulação de um plano de expansão dos cursos de pós-graduação nas universidades federais do país e que os valores das bolsas da Capes (R$ 1.200 para alunos de mestrado e R$ 3.300 para os de doutorado) deverão ser reajustados no fim deste ano. [Nota da redação: o valor atual da bolsa de doutorado é R$ 1.800, e não R$ 3.300 como está publicado na matéria]
O presidente da Capes também admitiu que as metas de formação de mestres e doutores em engenharia, contempladas no Plano Nacional de Pós-Graduação 2005-2010 (PNPG), não serão cumpridas e que o novo plano será apresentado em novembro e terá metas incorporadas ao Plano Nacional da Educação (PNE), que o Ministério da Educação deverá encaminhar ao Congresso Nacional depois das eleições.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
- Qual é o momento da pós-graduação brasileira hoje?
De crescimento chinês, tanto em cursos novos, como em titulação de mestres e doutores. A pós-graduação abriu grandes perspectivas para avanços dos jovens. Ao longo dos últimos 50 anos, a ciência evoluiu tremendamente no mundo, e raras exceções da graduação têm condições de terminar a formação de uma pessoa para os avanços técnico-científicos. Por conta disso há uma grande demanda em pesquisa e especialização hoje.
- Quais são os setores estratégicos focados pelas políticas de fomento à pesquisa?
Até 1989, o Brasil tinha feito apenas três planos de abrangência nacional para a pós-graduação. Ficamos 15 anos sem um plano. Assumi a Capes em fevereiro de 2004; em maio nomeei uma comissão de alto nível, com representantes da comunidade científica e das fundações de fomento estaduais; em outubro ficou pronto o plano para período 2005-2010. Nele colocamos as prioridades: engenharia, computação, depois ciências agrárias e depois as outras, que crescem por elas mesmas.
- Formação de engenheiros ainda é um gargalo...
Sem engenharia o país não avança, as engenharias têm o poder de gerar empreendedorismo, novas empresas, emprego e distribuição de renda. Estamos num estágio muito defasado, não do ponto de vista qualitativo, mas quantitativo. Ainda hoje no Brasil, as engenharias representam 6% das graduações e 11% das pós-graduações. Nos nossos concorrentes - Cingapura, Espanha, Turquia, China -, as engenharias ocupam mais de 40% da formação de nível superior.
- Há metas para as prioridades? Estão sendo cumpridas?
Há metas para todas as áreas, a única meta que não vamos atingir é a das áreas prioritárias, que era formar, a partir de 2010, 2,9 mil doutores por ano em engenharia e computação, juntas. Ficamos um pouco acima da metade da meta. Outro objetivo, que era absorver pessoal, atingimos de sobra, abrimos muitos concursos.
- O que houve?
O Brasil explodiu, a demanda por engenheiros cresceu muito, o mercado está contratando, a bolsa não compete. Trazer alunos para a pós-graduação em engenharia e computação ficou difícil. Nesse contexto, estamos fazendo outro plano agora, e percebemos que também é preciso atacar as graduações de engenharia.
- Aumentar o valor das bolsas ajudaria?
Tivemos duas atualizações depois de dez anos sem reajustes. Falar alguma coisa sobre isso nessa época é ruim, mas seguramente na virada do ano vai precisar ter mais uma atualização.
- O próximo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) terá o mesmo formato do atual?
Fica pronto em novembro, a diferença é que não será mais de cinco anos, mas de dez anos: 2011-2020. O ministro [da Educação, Fernando Haddad] pediu para incorporar algumas metas do nosso plano ao Plano Nacional da Educação (PNE).
- A Capes também passa a atuar nas políticas de educação básica. Qual é a lógica disso?
O fomento à pesquisa deu certo no Brasil, veja a Embrapa, as tecnologias bancárias e de exploração do petróleo. A pós-graduação avançou, mas deixamos muita gente boa para trás na educação e na ciência, muitos Ronaldinhos e muitos Neymares. Não dá para ser assim. Chegamos à necessidade de qualificar a educação básica pela Capes.
- Como colocar em prática essa proposta?
Trabalhando em cima de um diagnóstico: quantos professores de física para o secundário o país precisa - veja que estamos falando apenas de uma disciplina, mas a atuação será em todas. Levantamos quantos alunos se graduaram na licenciatura de física em 25 anos, quantos estão atuando e quantos estão se formando hoje. Conclusão: precisaríamos de 86 anos para formar o número de professores de física necessários hoje. Vamos trabalhar com vários mecanismos para corrigir isso. Primeiro, preparar melhor os professores que estão atuando, com um pacote de ações de educação continuada em parceria com Estados e municípios. Depois pretendemos formar na graduação os muitos docentes que ainda são leigos, com a Capes chamando as universidades e montando cursos de licenciatura a distância na Universidade Aberta do Brasil (UAB). São 700 polos presenciais, que complementam a atividade a distância, e vamos chegar a mil, praticamente um polo para cada cinco municípios. O bolsista da Capes ganha outra bolsa para ajudar nesse processo, atuando como professor no polo presencial. Atualmente, são 140 mil professores formados e em curso e serão 340 mil até o fim de 2011.
- Está em curso a implementação de um plano de expansão da pós-graduação no país, a exemplo do que ocorreu em 2007 na graduação, com o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)?
O assunto está na pauta de novo, envolve muita gente. Chama-se PG-Ifes (Pós-Graduação-Instituições Federais de Ensino Superior). A universidade não pode depender do período de mandato do atual administrador, precisa de planejamento de dez anos e deve se voltar para sua vocação. A Universidade Federal de Rio Grande, por exemplo, está vocacionada para o mar, para a atividade de estaleiros, plataformas de petróleo. No semiárido nordestino, a instituição também precisa seguir sua vocação natural. Então o PG-Ifes permite que a universidade se planeje para suas vocações e aí o governo financia isso, com contrapartidas de mais vagas para concursos, mais bolsas de formação, mais programas induzidos.
- Como o sr. avalia o envolvimento do setor empresarial na área de pós-graduação e na produção de pesquisa e inovações?
Há muitos segmentos que não acordaram para isso, as empresas vão precisar entrar no financiamento de bolsas para pegar o que há de melhor. A grande dificuldade é fazer as empresas entenderem que sem recurso humano qualificado é difícil competir.
(Luciano Máximo)
(Valor Econômico, 20/10)